Com seus impressionantes 1.100 km de extensão, o Rio Tietê é um dos mais emblemáticos e importantes cursos d’água do estado de São Paulo. Sua bacia hidrográfica abriga cerca de 32 milhões de habitantes e ocupa uma extensa área, com predomínio do uso urbano e agrícola, incluindo centenas de milhares de hectares destinados à produção de cana-de-açúcar. Essa ocupação intensa torna o Tietê bastante vulnerável à ação antrópica. Todo o esgoto gerado por essa numerosa população, tratado ou não, acaba sendo lançado na calha do rio. Soma-se a isso a contribuição da atividade agrícola, que faz uso constante de agrotóxicos e fertilizantes, como a vinhaça, que se acumulam no solo e, durante as chuvas, são carreados para o rio. Além disso, sedimentos como areia, provenientes do processo de erosão nas áreas de cultivo, também são arrastados para o leito do Tietê, acentuando a poluição difusa.
Impactos do Uso e Ocupação do Solo
A poluição do Rio Tietê é resultado direto da conjunção de fatores relacionados ao tipo de uso e ocupação do solo — urbano, rural e industrial — que, somados às transformações estruturais promovidas ao longo do rio, modificam profundamente suas condições naturais. Um exemplo marcante é o escalonamento do curso do rio com a construção de barragens para geração de energia elétrica, o que transformou trechos originalmente lóticos (de água corrente) em ambientes lênticos (de água parada). Essa modificação favorece o crescimento descontrolado de macrófitas aquáticas, como os aguapés, e cianobactérias (cianofíceas), responsáveis por deixar a água esverdeada e turva, prejudicando a qualidade da água e afetando toda a biota aquática — desde microorganismos até peixes e plantas.
Consequências Ambientais, Econômicas e Sociais As consequências dessa degradação são visíveis e alarmantes. A mortandade de peixes compromete diretamente os meios de subsistência de pescadores e afeta o equilíbrio ecológico. O turismo, outrora ativo em diversas regiões às margens do rio, também enfrenta severo declínio. Ranchos, loteamentos e áreas de lazer antes movimentadas vivem hoje uma fase de esvaziamento, impactando negativamente a economia local. O Baixo Tietê, em especial, tem vivenciado uma deterioração ambiental cada vez mais acentuada. As cargas poluidoras, que antes se concentravam nas proximidades da barragem de Barra Bonita, vêm se deslocando progressivamente e alcançam atualmente regiões como Bariri, Ibitinga, Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos, até desaguarem no Rio Paraná. Essa propagação confirma o caráter dinâmico da poluição hídrica, que não respeita limites geográficos e administrativos.
Escassez e Conflitos pelo Uso da Água
Além da poluição, cresce a preocupação com a quantidade de água disponível. A intensificação das captações, sobretudo para uso agrícola, torna-se uma ameaça adicional. Cidades como Araçatuba, que dependem do Tietê para o abastecimento público, podem enfrentar crises hídricas se medidas de controle não forem adotadas com urgência.
Mobilização e Ações de Fiscalização
Diante da gravidade da situação, emergiu uma forte mobilização social e institucional. A sociedade civil, por meio dos Comitês de Bacias Hidrográficas, fez ecoar suas preocupações junto à governança estadual. Como resposta, foi instituído um grupo de fiscalização ininterrupta com o objetivo de identificar, controlar e combater as fontes de poluição. Essa força-tarefa reúne diversos órgãos estaduais, como a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Secretaria de Agricultura e Abastecimento, CETESB, SP Águas (antigo DAEE), Polícia Ambiental, CATI e Departamento Hidroviário. Cada um desses atores atua dentro de suas competências técnicas para diagnosticar e mitigar os impactos sobre os recursos hídricos e o solo. O Ministério Público também se engajou no enfrentamento desse desafio, inserindo o tema da poluição do Tietê nos planos de ação dos Comitês de Bacias, com foco na identificação das causas e na proposição de soluções preventivas e corretivas.
A Lição do Tietê: Prevenir é Melhor que Remediar
O caso do Rio Tietê reforça um ensinamento fundamental: a prevenção é sempre mais eficaz — e menos custosa — do que a remediação. Combater a poluição exige um esforço coordenado entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil. Preservar o Tietê não é apenas uma questão ambiental, mas um compromisso coletivo com a saúde pública, a segurança hídrica, a biodiversidade e a qualidade de vida das futuras gerações. O momento exige ações integradas, planejamento de longo prazo e um novo olhar sobre o uso sustentável de nossos recursos naturais.
Reflexão
O Tietê é, ao mesmo tempo, espelho e vítima do nosso modelo de desenvolvimento. O que está em jogo não é apenas a saúde de um rio, mas o equilíbrio de um ecossistema inteiro e a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Reverter esse quadro é possível — e necessário. O momento exige responsabilidade, ação e visão de futuro.
Por: Luiz Otávio Manfré – Diretor de Recursos Hídricos no SP ÁGUAS e Secretário Executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Baixo Tietê
