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Exterminadores de pinheiros? Quem são os derrubadores de árvores em um parque de Florianópolis

Objetivo do grupo é preservar a vegetação das  Dunas da Lagoa da Conceição de uma espécie exótica invasora

Quem vê um grupo de 12 pessoas derrubando árvores no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, pode até estranhar. Mas, apesar de usarem serras manuais e motosserra, eles estão longe de representar ameaça ao meio ambiente. O objetivo do grupo é justamente proteger a vegetação local de uma espécie exótica invasora: o pínus ou pinheiro-americano, como é conhecido popularmente.

A iniciativa “Restaurando paisagens e ecossistemas”, que envolve o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e centenas de voluntários, já retirou mais de 420 mil pínus da Unidade de Conservação (UC) desde 2010.

Um sábado por mês, os voluntários – incluindo pesquisadores e estudantes e moradores da região – vão ao parque e arredores para arrancar pinheiros e outras espécies invasoras.

Em 2018, o grupo finalmente eliminou os impactos da invasão de pínus do parque. Porém, a espécie segue em outras regiões e, devido à dispersão das sementes pelo vento por até 60 quilômetros, acaba voltando à Unidade de Conservação.

O grupo vai ao parque de duas a três vezes por ano para fazer a manutenção, impedindo o desenvolvimento das novas espécies que aparecem. Nos demais meses, áreas ao redor do parque são alvo dos exterminadores de invasoras.

Onde fica

Restauração da restinga Originário do Hemisfério Norte, o pínus foi inserido no Brasil como planta ornamental e para produção de papel e madeira na década de 1960. O gênero é considerado um dos mais invasores do mundo, com cerca de 20 espécies registradas no Hemisfério Sul. A Pinus elliottii, principal espécie do Parque das Dunas da Lagoa da Conceição, ameaça a restinga, vegetação nativa da região.

Fora de seu habitat natural, o pinheiro cresce rápido, podendo chegar a 30 metros de altura, e se espalha com facilidade. Competindo por espaço, sol e água, ele inibe o crescimento de plantas nativas, algumas existentes apenas na unidade de conservação, como a Campomanesia littoralis e a Cyphomandra maritima. O pínus pode alterar os regimes naturais de água e de fogo, empobrecer os nutrientes do solo e reduzir a biodiversidade local se não for controlado.

Sem o sombreamento causado pelo pinheiro, as sementes da vegetação local começam a brotar espontaneamente no parque. “A restinga se recupera rápido. Tem área em que fizemos o controle e que hoje nem parece que tinha pínus”, explica a engenheira florestal Sílvia Ziller, fundadora do Instituto Hórus e coordenadora do projeto.

Para acelerar a restauração, a iniciativa também faz mutirões de plantio de mudas nativas. Até o momento, foram restaurados 200 hectares de restinga no parque, um terço da área total da reserva.

Restaurar a restinga fortalece a barreira de proteção entre o mar e as comunidades, essencial em um contexto de mudança climática. Outro benefício é o hidrológico: a espécie invasora consome mais água do que a vegetação nativa. Sem o pínus, a água volta a brotar em abundância.

Além disso, insetos polinizadores e animais ameaçados de extinção, incluindo aves migratórias, retornam ao parque, ampliando a sua biodiversidade. São resgatadas ainda tradições culturais, como o uso medicinal de plantas nativas pela comunidade local.

Ameaça desconhecida Pouco conhecida, a invasão biológica é uma das cinco causas de perda de biodiversidade do mundo, ao lado da destruição de habitat, mudanças climáticas, poluição e sobre exploração de recursos naturais. O dado é do relatório sobre espécies exóticas invasoras publicado em 2024 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).

“É um impacto similar ao desmatamento, porém mais complicado e menos conhecido”, aponta a bióloga Michele de Sá Dechoum, professora da UFSC, uma das coordenadoras do relatório e do projeto de controle de pínus.

De acordo com o estudo, o Brasil tem 476 espécies exóticas invasoras, sendo 268 animais e 208 plantas e algas. São mais de 3 mil registros de invasão apenas nas unidades de conservação brasileiras.

Os impactos negativos das invasões biológicas são 30 vezes superiores aos positivos, segundo o levantamento. No País, estima-se que 16 espécies invasoras tenham representado prejuízo de US$ 105 bilhões em 35 anos (de 1984 a 2019). A maioria dos recursos teria sido destinada a contornar perdas e danos, enquanto menos de 2%, em manejo.

Esse cenário estimulou o projeto a adotar também um viés educacional: o de mostrar à população local os estragos feitos por espécies invasoras, coibindo a introdução de novas plantas desse tipo. Outra marca da iniciativa são as mulheres à frente de uma tarefa comumente considerada “pesada” para elas.

“Fui a primeira a entrar com motosserra e treinei os meninos a usarem”, diz Silvia, acrescentando que o trabalho voluntário, formado por 60% de mulheres, não promove divisão de tarefa com base em gênero.

Impacto no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição A constância e a coordenação técnica são diferenciais que contribuem para o sucesso do programa, de acordo com as coordenadoras. Sem o controle feito pela iniciativa, cerca de um terço do parque estaria dominado por pinheiros invasores em 2028, estima o grupo, em um estudo publicado na revista Biological Invasions em 2018. As simulações apontam ainda que se o trabalho for realizado no parque e nas propriedades vizinhas, será possível erradicar os pínus do parque em quatro anos.

A dificuldade em exterminar a espécie nos arredores da UC é um entrave do projeto. Uma lei municipal estabeleceu que a espécie vegetal deveria ser eliminada de propriedades particulares do município até dezembro de 2019, mas não foi cumprida.

“A lei é um avanço, mas não basta. É preciso que haja engajamento da sociedade como um todo. Apenas agora que as pessoas estão acordando para a questão das exóticas invasoras”, afirma Mauro Manoel da Costa, diretor de proteção e gestão ambiental da prefeitura de Florianópolis.

Ele aponta ainda a falta de controle de pínus no Parque Estadual do Rio Vermelho, a 13 km do parque municipal, como um dos motivos para a dificuldade de erradicar a espécie invasora da Unidade de Conservação.

A estimativa é de que o projeto tenha poupado R$ 136 mil aos cofres públicos de 2010 a 2018, considerando os gastos com trabalho de voluntários e a contratação de operadores de motosserra.

“Se fossem computados os custos de materiais e deslocamento, assim como de trabalho técnico de planejamento e organização das atividades de voluntariado, o valor seria ainda maior”, diz Dechoum. Os recursos vêm de campanhas de financiamento coletivo e apoio de instituições internacionais.

Fora de seu habitat natural, o pinheiro cresce rápido e pode chegar a 30 metros de altura; imagens mostram corte da árvore em Florianópolis Foto: Instituto Hórus/Divulgação / Estadão

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