Municípios e estados de várias partes do Brasil já aprovaram legislações para erradicar o cultivo de uma espécie de árvore chamada espatódea (Spathodea campanulata), também conhecida por mijadeira. O problema? A planta exótica tem causado a morte de abelhas.
Leis para a árvore
Em várias partes do país, há leis municipais para impedir o cultivo da árvore, como em Curitiba e Araucária (PR) e Limeira (SP). Há também leis estaduais, como as leis 17.694, de Santa Catarina, e 11.957, de Mato Grosso, que já proíbem a produção de mudas e o plantio das árvores da espécie e ainda estipulam penas, como pagamento de multas, para quem descumprir as regras.
No Espírito Santo, 21 câmaras municipais já criaram projetos de lei nesse sentido. O movimento começou por volta de 2022. A Associação do AME-ES (Associação dos Meliponicultores do Espírito Santo) começou a ser demandada por associados relatando mortes de abelhas em flores de espatódea existentes nas proximidades de locais onde são criadas abelhas sem ferrão.
“O Espírito Santo está geograficamente situado no bioma da Mata Atlântica, onde a maior quantidade de espatódea se distribui, para embelezamento da paisagem e das suas cidades.” José Fernando Vieira da Mota, meliponicultor, ambientalista e membro da associação
Trazida da África
A espatódea é uma árvore exótica, da família Bignoniaceae, de crescimento rápido e efeito ornamental. Por essa razão, muitas cidades brasileiras a incluíam em seus projetos paisagísticos. Seu porte é médio, podendo atingir 24 metros. Na África, seu local de origem, elas podem alcançar até 30 metros de altura. De origem tropical, ela gosta de sol e não se adapta muito bem ao frio.
As flores são vermelhos-alaranjadas ou amarelas, conforme a variedade, e surgem de inflorescências terminais. Botões numerosos que se abrem sucessivamente, garantindo uma longa floração.
Na época de floração, porém, suas flores usam um mecanismo de defesa para impedir que insetos “roubem” antecipadamente o néctar e o pólen destinados a polinizadores naturais, com pássaros e morcegos africanos.
Elas produzem um néctar com mucilagem, uma substância viscosa vegetal que aumenta de volume em contato com a água, adquirindo uma consistência gomosa. É uma substância açucarada de consistência gelatinosa que aprisiona muitos insetos no interior da flor. Além disso, ela apresenta um tipo de alcaloide que é inseticida e que afeta o sistema nervoso das abelhas. Até beija-flores podem se intoxicar com a mucilagem.
Em muitos casos, a abelha contaminada sobrevive à armadilha pegajosa e consegue voar novamente, levando a substância para a colmeia, contaminando e alterando o processo de confecção das ceras nos favos, o que leva à morte da colônia. Apesar de esse efeito ser conhecido no Brasil desde os anos 1970, muitos paisagistas e urbanistas acabavam escolhendo a espatódea para os seus projetos, por sua beleza incomum.
Mesmo que o criador de abelhas não tenha a árvore em seu quintal, ainda há o risco a esses insetos. As uruçus, que são as abelhas sem ferrão mais criadas no Brasil, por exemplo, podem voar em média até dois quilômetros a partir da colônia, atrás de recursos. A explicação é do doutor em ecologia Felipe Andrés Leon Contrera, professor associado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará.
“Por mais que você não plante, que o criador não plante uma espatódea no seu quintal, se houve no raio de atuação das abelhas essa árvore, isso provocará a mortalidade delas. Geralmente no interior das flores mesmo, presas na armadilha. Mas também porque muitas abelhas vão pegar o pólen da planta, o néctar, e levar de volta para a colmeia e isso provocará mortalidade.” Felipe Andrés Leon Contrera, professor da Universidade Federal do Pará.
O alerta tem se espalhado por regiões que introduziram a espatódea, em todo o Brasil, e as restrições começam a se tornar oficiais. Em Vitória, os esforços da prefeitura em erradicar a espécie começam a se traduzir em números. Segundo o último inventário da arborização urbana da Semmam (Secretaria Municipal de Meio Ambiente), há apenas oito exemplares dessas espécies plantadas por munícipes, que serão retiradas em breve.
“Nos locais onde essa espécie é nativa existem os seus polinizadores naturais, que vivem em simbiose com ela há 125 milhões de anos, e que não sofrerão nenhuma consequência nefasta como aqui na América do Sul, onde ela é exótica. No caso dos nossos polinizadores, em especial das abelhas que polinizam cerca de 90% das nossas espécies nativas, o desaparecimento da Spathodea campanulata do Brasil será mesmo uma benção, pois será menos uma causa a contribuir para o declínio dos polinizadores autóctones.” José Fernando Vieira da Mota, membro da AME-ES