O cuidado dos detalhes no nascimento e “primeira infância” das plantas é chave na rotina da viveirista Suelen Joia, com a responsabilidade de coordenar a produção de mudas no viveiro Atacadão Florestal, em Lorena (SP), fornecidas à restauração da Mata Atlântica. O trabalho é meticuloso – da coleta das sementes à semeadura em tubetes, desenvolvimento e aclimatação das mudas até a distribuição aos clientes. Esse elo inicial da cadeia produtiva é estratégico para o País recuperar florestas e atingir metas de mitigação da mudança climática. Há necessidade de quantidade e qualidade dos viveiros, e Suelen destaca a principal exigência para quem é do ramo: “estar em conexão com a natureza e saber que contribui com o clima do planeta”.
Com prancheta na mão para o controle de rotina das mudas, a viveirista sabe que os cuidados ali podem significar o sucesso ou o fracasso das áreas que recebem árvores, em parceria com a SOS Mata Atlântica. Naqueles “berçários”, ela aponta para as plantas e explica quais são as pioneiras ou de recobrimento, com crescimento mais rápido para formar copas, como é o caso da canafístula. Ela faz sombra que possibilita o desenvolvimento das demais, a exemplo do jerivá, de crescimento vegetal mais demorado. “Essa espécie demora seis meses para germinar no viveiro”, conta Suelen, com domínio sobre as diferenças – e as exigências – de cada espécie.
No caso do frondoso guapuruvu, é preciso lixar as sementes com esmeril e colocá-las na água durante cinco dias para geminar. As pequenas plântulas são inseridas em tubetes de plástico, dentro de bandejas, e seguem as etapas do crescimento por cerca de três meses, até estarem prontas para plantio. Em campo, a árvore dessa espécie tem ciclo de vida de 50 anos, podendo atingir 10 metros de altura, com flores amarelas que atraem tucanos na primavera.
Novo ofício para a família
Para a coordenadora, o trabalho direto com a natureza é, também, uma questão de ética, porque “contribuímos com a floresta que tanto faz por nós, ano após ano”. A viveirista levou junto a família para os desafios no Atacadão Florestal como profissionais do clima. O pai, José Sebastião Rodrigues, o Tião, desde criança trabalhou retirando leite de vacas em fazendas de terceiros. Hoje, realiza a delicada limpeza das mudas antes das próximas etapas de desenvolvimento até a rustificação – a adaptação às oscilações da radiação solar, necessária para garantir o maior índice de sobrevivência do plantio em campo.
“O leite alimenta crianças, mas sem plantas nem o gado consegue sobreviver. Não respiramos sem elas; são a alegria de viver da gente”, diz Tião, no antigo galpão onde antes funcionava o estábulo de um antigo sítio produtor de leite orgânico. Com 5 hectares, a área tem pomar com árvores para coleta de sementes, também adquiridas de associações locais de coletores para abastecimento do viveiro.
Na entrada do estabelecimento, uma sala reúne estoques de sementes em ambiente refrigerado. Prateleiras funcionam como vitrine. Na parede, um pôster com a mensagem:
“Até abrir um berço, plantar uma árvore, regá-la e fazê-la sobreviver, você não fez absolutamente nada. Até lá você só está falando” (Wangari Muta Maathai (1940-2011), primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz).
Matéria-prima da restauração florestal
A falta de mudas nativas e crédito limitam a restauração florestal no Brasil. Reflorestar 12 milhões de hectares, como prevê o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), demandaria até 1 bilhão de mudas ao ano, segundo cálculos do setor. Recentes iniciativas foram anunciadas pelo BNDES e outras instituições de fomento com crédito para aumentar o fornecimento dos viveiros e desenvolver a cadeia produtiva da restauração.
Com capacidade de produzir 600 mil mudas por ano, no total de 93 espécies nativas, o viveiro em Lorena fornece mudas para as ações de restauração florestal da SOS Mata Atlântica em Aparecida e outras regiões do Vale do Paraíba, no programa Florestas do Futuro. A parceria tem possibilitado aprendizados, chances para aumentar a escala das mudas e conexões com outros projetos, como plantios no Parque Estadual da Serra do Mar. “É forte a retomada da demanda”, avalia Adriano Santana, gerente do viveiro. Ex-mecânico de aviões na indústria aeronáutica da região, ele descobriu um novo campo de trabalho. Atualmente, faz graduação em Agronomia, de olho nas oportunidades da restauração florestal.
A expectativa está nos chamados “neorrurais”, a nova geração de fazendeiros, herdeiros das antigas propriedades do Vale do Paraíba, que chegam com uma maior percepção de riscos e a ideia de conservar nascentes.
“A preocupação não é apenas ter a Reserva Legal para se adequar à lei, mas tirar o gado, pois o mercado já não cobre os custos da atividade, e colocar floresta no lugar”, afirma Adriano.
Segundo ele, a encomenda de grandes quantidades de mudas, antecipada por clientes, como a SOS Mata Atlântica, convenceu os donos da área sobre o potencial do novo negócio como viveiro. “No Vale do Paraíba, vivemos um novo ciclo econômico, não mais do café, gado ou eucalipto, mas da restauração das matas perdidas”.