Os Centros de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) são locais de intenso recebimento de fauna silvestre. Para que essas instituições cumpram suas funções, o fluxo desses animais também deve ser alto, ou seja, na medida em que os eles são recebidos, também devem ser destinados.
Na teoria é algo que funciona, mas, na prática, muitos animais “escapam” do fluxo, seja por inaptidão à soltura decorrente de alterações comportamentais (mansidão, agressividade), pelo deslocamento à área de ocorrência natural da espécie (repatriação), pela redução de áreas de soltura, pelo diminuto corpo técnico (que tem que se dividir entre os atendimentos e as destinações), entre outras causas.
Independentemente dos problemas enfrentados, os animais mantidos por esses centros precisam receber atendimento e acompanhamento veterinário e ter suas funções biológicas atendidas. Dentre outras coisas, isso se traduz em fornecer ambiente e alimentação adequados para a espécie e um período de observação clínica e realização de exames complementares no intuito de assegurar o bom estado geral dos espécimes.
Em 2022, teve início uma parceria entre o Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura de São Paulo e o Projeto Bicudo e, desde então, essas aves começaram a realizar o período de quarentena no centro antes de serem destinadas ao projeto.
O bicudo (Sporophila maximiliani) é um passeriforme que faz parte do grande grupo dos comedores de capins, pertencentes ao gênero Sporophila. Habita pastos alagados, veredas com arbustos, bordas de capões de mata, brejos, beiras de rios e lagos e é muito apreciado por seu canto, sendo por isso intensivamente capturado na natureza (WikiAves, 2018) – Fotos: Projeto Bicudo
O tráfico de animais silvestres foi uma das maiores causas de declínio populacional da espécie, que hoje é considerada uma das aves mais ameaçadas de extinção da América do Sul. Ela foi classificada como “ameaçada” globalmente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) em 2017 e “criticamente ameaçada “no estado de São Paulo através de decreto oficial, tendo sido mantida essa classificação em todo o território brasileiro.
Em relação aos bicudos recebidos pelo Cemacas, eles são provenientes de outros Cetras, de apreensões do tráfico ou de criadores amadoristas que fazem a doação de parte seu plantel. Desde 2021, já contabilizamos o recebimento de 249 animais, sendo 199 destinados ao projeto.
O acompanhamento dos animais envolve um período de no mínimo 30 dias e os exames complementares realizados dependem da evolução clínica individual de cada uma das aves, sendo realizados hemogramas, exames moleculares, exames coproparasitológicos e bacterioscópicos, conforme constam em “Diretrizes de translocação para a conservação de bicudo Sporophila maximiliani”.
Além do aspecto sanitário, o morfológico também é avaliado em conjunto com o prof. dr. Luís Fábio Silveira. Principalmente os animais oriundos de tráfico apresentam alta taxa de hibridismo, apresentando maior tamanho, e há espécies similares (bicudinho – S. crassirostris e bicudo-de-bico-preto – S. atrirostris, espécie exótica) e que podem passar despercebidas, correndo o risco de ser identificadas erroneamente se não houver um olhar mais minucioso e experiente.
A valoração da função do Cetras em destinar deve ser ainda maior em se tratando de espécies ameaçadas. Assim, o comprometimento e apoio desses centros no recebimento, manutenção e destinação de espécies ameaçadas permitirão um melhor fluxo de animais para projetos em prol da sua conservação.
Fonte: https://faunanews.com.br/o-papel-do-cetras-na-destinacao-de-especies-ameacadas/